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Câmara Aprova Fim da Aprovação Automática: O Que Muda na Educação Brasileira?

Projeto Polêmico é Aprovado por Voto de Desempate e Aguarda Análise da CCJ


Por Heriberto de Souza, com o auxílio de Inteligência Artificial em todo o processo.

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A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou em julho de 2025 um projeto de lei que promete transformar radicalmente o sistema educacional brasileiro. O Projeto de Lei 5.136/2019, apresentado pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS) e relatado por Nikolas Ferreira (PL-MG), proíbe a chamada "progressão continuada" no ensino fundamental e médio, obrigando as escolas a reprovar alunos que não atingirem as notas mínimas necessárias.

A votação foi extremamente apertada, terminando em 17 votos favoráveis e 17 contrários, sendo decidida pelo voto de desempate do próprio relator. "Pelo destino ou por providência divina, o meu voto é sim", declarou Nikolas Ferreira durante a sessão. O texto agora segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, por tramitar em regime conclusivo, só irá ao plenário se houver requerimento específico.

Entendendo a Progressão Continuada

A progressão continuada não é sinônimo de "aprovação automática", como frequentemente é confundida no debate público. Trata-se de um sistema pedagógico que organiza o ensino em ciclos de dois a três anos, permitindo que o aluno tenha mais tempo para desenvolver as competências necessárias antes de ser avaliado para progressão.

Na prática atual, estados como São Paulo e Minas Gerais adotam essa metodologia: em São Paulo, por exemplo, os alunos podem ser retidos apenas ao final dos ciclos - 3º ano, 6º ano ou 9º ano do ensino fundamental - e não ao final de cada ano letivo. O modelo prevê avaliação contínua, recuperação paralela e apoio pedagógico específico para alunos com dificuldades.

Argumentos dos Defensores: Preocupação com a Qualidade

Os defensores do projeto argumentam que a progressão continuada tem prejudicado a qualidade educacional brasileira. Francisco Garcia, pedagogo especialista em políticas públicas, considera que o Brasil vive "uma falsa sensação de progresso educacional" nos últimos 20 anos. Segundo ele, o aumento artificial nas taxas de aprovação inflou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), enquanto as notas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) "permaneceram relativamente estagnadas".

Os dados oficiais reforçam algumas preocupações: apenas 55,9% dos alunos do 2º ano do ensino fundamental estavam alfabetizados em 2023, e o nível de aprendizagem adequada chegou a apenas 31,2% nos anos iniciais do ensino fundamental, 12,3% nos anos finais e 3,2% no ensino médio. O levantamento do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) de 2024 mostra que 17% dos estudantes que concluem o ensino médio são analfabetos funcionais.

Nikolas Ferreira argumenta que "a promoção automática leva a uma progressão de alunos sem a devida compreensão dos conteúdos, resultando em deficiências acumuladas ao longo dos anos". Para os defensores, isso também desmotiva professores que veem seus alunos progredindo sem alcançar objetivos mínimos de aprendizagem.

Argumentos dos Críticos: Risco de Exclusão Social

Do outro lado, especialistas alertam para os riscos de aumento da evasão escolar e aprofundamento das desigualdades. Anna Helena Altenfelder, presidente do conselho de administração do Cenpec, defende que "a progressão continuada significa dar um tempo maior para o estudante se desenvolver. Se a criança não aprendeu, não é repetindo de volta à mesma forma, que ela vai aprender".

Cláudia Costin, fundadora do Centro de Políticas Educacionais da FGV, considera que "o aluno reprovado tende a não aprender mais" e classifica o projeto como "remédio errado para um problema que de fato existe". João Batista Oliveira, fundador do Instituto Alfa e Beto, vai além e afirma que a proposta "ataca o problema errado", pois vê na aprovação automática apenas "parte de um sistema que não funciona".

A Realidade dos Dados Brasileiros

Os números sobre evasão e reprovação no Brasil são preocupantes. Dados do Censo Escolar 2024 mostram que as taxas de aprovação na educação básica mantiveram-se estáveis, mas os índices de abandono permanecem altos.

Entre jovens de 14 a 29 anos, 8,7 milhões abandonaram ou nunca frequentaram a escola sem completar o ensino médio. Desses, 59,1% eram homens e 72,5% eram pretos ou pardos, evidenciando o recorte social da exclusão escolar. O principal motivo para o abandono foi a necessidade de trabalhar (42%), seguido pela falta de interesse em estudar (25,1%).

Em 2022, após o fim das políticas de aprovação automática adotadas na pandemia, os índices de reprovação voltaram a crescer: 7,9% dos estudantes dos anos finais do ensino fundamental foram reprovados, e 13,4% no ensino médio. Segundo especialistas, a reprovação é um dos fatores que levam o aluno a abandonar a educação básica.

Evidências Internacionais: Um Cenário Mais Complexo

A análise de sistemas educacionais internacionais revela um cenário mais complexo do que inicialmente sugerido por ambos os lados do debate. Dados do PISA 2022 mostram que a relação entre sistema de progressão e desempenho não é linear.

Singapura: Sucesso com Nuances

Singapura realmente lidera o PISA 2022 em todas as três áreas avaliadas - matemática (575 pontos), leitura (543 pontos) e ciências (561 pontos). O país utiliza progressão continuada, mas com características específicas: no "Programa Integrado", apenas alunos com bom desempenho são isentos de testes de promoção. Não é uma progressão automática universal, mas um sistema meritocrático que combina avaliação contínua com alta exigência acadêmica.

Coreia do Sul e Japão: Contexto Cultural Específico

É correto que Japão e Coreia do Sul não adotam a reprovação por nota no ensino fundamental e mantêm posições elevadas no PISA. Porém, esses países têm características educacionais muito específicas: jornada escolar estendida (7 horas diárias versus 4,5 no Brasil), cultura de estudo intensivo com apoio familiar massivo, e seleção rigorosa para o ensino médio no Japão.

Finlândia: Modelo de Apoio Individualizado

A Finlândia mantém taxa de reprovação de apenas 2% e apresenta 99,7% de taxa de conclusão da educação básica. Isso não significa "aprovação automática": o país investe massivamente em estratégias preventivas e apoio individualizado. O sistema é inclusivo, mas exigente.

Países com Reprovação: Resultados Variados

Os dados sobre países que mantêm reprovação são mais nuançados do que inicialmente sugerido. Portugal obteve 472 pontos em matemática no PISA 2022, ficando na média da OCDE, não abaixo dela como inicialmente afirmado.

Impactos Psicológicos e Motivacionais

Um aspecto central do debate envolve os efeitos da reprovação no desenvolvimento dos estudantes. Anamaria Camargo, especialista em educação, vê potencial positivo no projeto: "O professor pode ter algum argumento com o estudante para que ele, de fato, preste atenção, pare de conversar e esteja presente tentando aprender, porque há um risco de ele ser reprovado".

Por outro lado, especialistas em desenvolvimento infantil alertam para impactos na autoestima, especialmente considerando que o projeto permite reprovação a partir dos 6 anos de idade. Pesquisas acadêmicas mostram que a reprovação pode funcionar como instrumento de coerção e punição, distanciando-se de objetivos pedagógicos.

Literatura Acadêmica e Evidências Empíricas

Pesquisas acadêmicas recentes utilizando metodologias avançadas têm demonstrado "de forma mais empírica a ineficácia da reprovação e da repetência para a melhora do aprendizado e da qualidade no ensino". Paradoxalmente, a literatura ainda não consegue demonstrar de forma inequívoca os benefícios da progressão continuada em termos de melhora na qualidade educacional.

O que algumas pesquisas pontuam é que "a progressão continuada – especificamente nos ciclos – não têm sido implantados em sua totalidade. Apesar de abolirem a reprovação, as escolas não se estruturam adequadamente, bem como os professores não são capacitados" adequadamente.

Próximos Passos e Perspectivas

O projeto ainda precisa superar a Comissão de Constituição e Justiça antes de entrar em vigor. Durante a tramitação, houve tentativas do Ministério da Educação (MEC) para promover alterações no texto, indicando resistência do governo federal à proposta.

Rafael Brito, presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, que votou contra o projeto, argumenta que "não há elementos que embasem essa conclusão pelo fim da progressão continuada" e alerta para riscos de "aumentar taxas de evasão e abandono, reforçar desigualdades e ampliar a distorção idade-série".

O Dilema Fundamental

A questão central transcende aspectos técnicos e toca no coração das desigualdades brasileiras. Como observa um estudo da ANPEd, "a questão não é optar entre progressão continuada ou séries, mas entre avaliar com poder de reprovar ou não".

O debate evidencia uma tensão fundamental entre responsabilização por resultados (accountability educacional) e inclusão social. Pesquisas mostram que "a retomada da seriação configura-se como um retrocesso, além de evidenciar como a história de nossa educação continua sendo ignorada".

A evidência disponível sugere que não é o sistema de progressão em si que determina a qualidade educacional, mas sim fatores como qualidade do apoio pedagógico, formação docente, tempo de instrução efetivo, cultura educacional e estratégias de intervenção precoce para dificuldades de aprendizagem.

Independentemente do resultado da tramitação na CCJ, a discussão já revela a urgência de políticas educacionais mais abrangentes que enfrentem tanto a qualidade quanto a equidade no ensino nacional, questionando se o fim da progressão continuada representa uma solução efetiva ou um retrocesso que pode agravar a exclusão escolar de milhões de estudantes brasileiros.

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